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Blau Araujo 2025-04-30 14:45:24 -03:00
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457
aulas/13-read/README.org Normal file
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@ -0,0 +1,457 @@
#+title: Curso Básico da Linguagem C
#+subtitle: Aula 13: Leitura da entrada padrão com 'read'
#+author: Blau Araujo
#+startup: show2levels
#+options: toc:3
* Aula 13: Leitura da entrada padrão com 'read'
[[https://youtu.be/bW3Xox6LP_U][Vídeo desta aula]]
A função =read= é um /wrapper/ (uma /"embalagem"/) para simplificar o uso da chamada
de sistema =read=. Chamadas de sistema são funções internas que o kernel
implementa para que os programas (executados no /espaço de usuário/) tenham acesso
a serviços e funcionalidades do sistema (disponíveis no /espaço do kernel/).
Entre essas funcionalidades, estão:
- Acesso a arquivos para leitura e escrita;
- Alocação de espaço em memória;
- Criação de processos;
- Término de programas.
Nossos programas em C não interagem diretamente com o hardware ou com recursos
protegidos do sistema. Em vez disso, eles fazem /chamadas de sistema/ para
"pedir" que o kernel realize essas operações por ele. Sendo assim, fica fácil
concluir que todas as funções da biblioteca C padrão que nós utilizamos até
agora, em algum momento, fazem chamadas de sistema.
Por exemplo, a função =fgets= utiliza a chamada de sistema =read= para preencher o
buffer de entrada do processo e, em seguida, copiar parte desse conteúdo para o
buffer definido no programa para receber uma string. Se quisermos utilizar
a chamada de sistema =read= para escrever bytes diretamente no buffer de destino,
evitando o buffer de entrada do processo, nós podemos utilizar a função =read=
da =glibc=, que é uma interface (um /wrapper/, ou /"embalagem"/) para a chamada de
sistema propriamente dita.
#+begin_quote
As /man pages/ das interfaces para as chamadas de sistema implementadas na =glibc=
podem ser encontradas na seção 2 (ex.: =man 2 read=).
#+end_quote
** A função 'read'
A função =read= é declarada no cabeçalho =unistd.h= da seguinte forma:
#+begin_src c
ssize_t read(int fd, void buf[.count], size_t count);
#+end_src
Onde:
- =int fd= - O número de um descritor de arquivos aberto para leitura;
- =void buf[.count]= - O endereço do buffer de destino dos bytes lidos;
- =size_t count= - A quantidade máxima de bytes a serem lidos.
#+begin_quote
O tipo =ssize_t= é um apelido para =long= e =size_t= para =unsigned long=.
#+end_quote
Por exemplo:
#+begin_src c
#include <unistd.h>
#define BUFMAX 10
int main(void) {
char buf[BUFMAX];
read(STDIN_FILENO, buf, BUFMAX);
...
return 0;
}
#+end_src
Isso fará com que até 10 bytes (=BUFMAX=) recebidos pela entrada padrão
(descritor de arquivos =0=, valor expandido pela macro =STDIN_FILENO=) sejam
escritos na memória a partir do endereço de =buf=. Mas, diferente de =fgets= e
=scanf=, não haverá a inclusão do terminador nulo (='\0'=).
*** Incluindo o terminador nulo
Se quisermos que o conteúdo do buffer seja uma string, nós teremos que
implementar uma forma de acrescentar o terminador nulo -- por exemplo,
utilizando a quantidade de bytes lidos, que é retornada pela função =read=
em caso de sucesso:
#+begin_src c
#include <unistd.h>
#define BUFMAX 10
int main(void) {
char buf[BUFMAX];
ssize_t count = 0;
if((count = read(STDIN_FILENO, buf, BUFMAX - 1)) > 0) {
buf[count] = '\0';
}
/* ... */
return 0;
}
#+end_src
#+begin_quote
O retorno =0= indica o fim do arquivo e =-1= indica um erro, cujo identificador é
atribuído à variável =errno= e pode ser exibido com a função =perror=.
#+end_quote
A solução do exemplo faz com que =read= se comporte quase como a função
=fgets=, exceto por não criar um buffer de entrada no /heap/ do processo:
- A leitura é feita até =BUFMAX - 1=;
- O caractere seguinte no buffer (=buf[count]=) recebe ='\0'=;
- O caractere ='\n'= será preservado se estiver no limite de leitura.
Para demonstrar, digamos que o usuário digitou =12345= e teclou =Enter=. O valor
de =count= será =6= e os bytes em =buf= serão:
#+begin_example
buf[0] buf[1] buf[2] buf[3] buf[4] buf[5] buf[6] buf[7] buf[8] buf[9]
+------+------+------+------+------+------+------+------+------+------+
buf[10] | 0x31 | 0x32 | 0x33 | 0x34 | 0x35 | 0x0A | lixo | lixo | lixo | lixo |
+------+------+------+------+------+------+------+------+------+------+
#+end_example
Depois de alterado o byte em =buf[count]= (=buf[6]=), nós teremos:
#+begin_example
buf[0] buf[1] buf[2] buf[3] buf[4] buf[5] buf[6] buf[7] buf[8] buf[9]
+------+------+------+------+------+------+------+------+------+------+
buf[10] | 0x31 | 0x32 | 0x33 | 0x34 | 0x35 | 0x0A | 0x00 | lixo | lixo | lixo |
+------+------+------+------+------+------+------+------+------+------+
#+end_example
Se for digitado =1234567890=, nós teremos inicialmente:
#+begin_example
buf[0] buf[1] buf[2] buf[3] buf[4] buf[5] buf[6] buf[7] buf[8] buf[9]
+------+------+------+------+------+------+------+------+------+------+
buf[10] | 0x31 | 0x32 | 0x33 | 0x34 | 0x35 | 0x36 | 0x37 | 0x38 | 0x39 | lixo |
+------+------+------+------+------+------+------+------+------+------+
#+end_example
Os caracteres =0x30= (=0=) e =0x0a= (='\n'=) não serão lidos, o valor de =count= será =9=
e =buf[9]= receberá o terminador nulo:
#+begin_example
buf[0] buf[1] buf[2] buf[3] buf[4] buf[5] buf[6] buf[7] buf[8] buf[9]
+------+------+------+------+------+------+------+------+------+------+
buf[10] | 0x31 | 0x32 | 0x33 | 0x34 | 0x35 | 0x36 | 0x37 | 0x38 | 0x39 | 0x00 |
+------+------+------+------+------+------+------+------+------+------+
#+end_example
*** Quando não converter os bytes lidos em string
O tratamento anterior só faz sentido quando queremos utilizar a entrada
como uma string. Mas nada disso será necessário, nem será adequado, se
estivermos lendo...
- Dados binários (arquivos binários em geral);
- Dados em blocos fixos (setores de disco, pacotes de rede, etc);
- Transferências de dados entre processos;
- Dados para cálculos de /checksum/ e /hash/;
- Dados para compressão ou criptografia...
Entre outras tantas situações.
** O buffer do terminal
Quando um programa com a função =read= é executado interativamente, os dados
digitados são inicialmente armazenados em um buffer gerenciado pelo terminal.
Ao chamar a função =read=, o programa consome parte desses dados da entrada padrão
e os bytes que não forem consumidos permanecerão no buffer do terminal.
Esses dados residuais não são descartados e permanecem disponíveis para futuras
chamadas de leitura -- inclusive por processos subsequentes, caso o processo
atual termine. Isso pode causar efeitos inesperados em programas interativos
executados na sequência (como o próprio shell, por exemplo), pois os caracteres
digitados anteriormente, mas ainda não consumidos, serão lidos automaticamente.
Veja este exemplo:
#+begin_src c
#include <stdio.h>
#include <unistd.h>
#define BUFMAX 10
int main(void) {
char buf[BUFMAX];
ssize_t count = 0;
if((count = read(STDIN_FILENO, buf, BUFMAX - 1)) <= 0) {
return 1;
}
// Tratamento do terminador nulo...
buf[count] = '\0';
printf("%s\n", buf);
return 0;
}
#+end_src
Compilando e executando:
#+begin_example
:~$ gcc -Wall teste.c
:~$ ./a.out
123456789012345
123456789
:~$ 012345
bash: 012345: comando não encontrado
#+end_example
A função =read= consumiu apenas os 9 primeiros caracteres digitados, os 6
caracteres restantes continuaram no buffer do terminal e foram lidos pelo
processo do shell (interativo) que tentou executá-los como um comando.
A solução para isso é simples (e já conhecida por nós): consumir todos os
bytes restantes na entrada padrão:
#+begin_src c
#include <stdio.h>
#include <unistd.h>
#define BUFMAX 10
int main(void) {
char buf[BUFMAX];
ssize_t count = 0;
if((count = read(STDIN_FILENO, buf, BUFMAX - 1)) <= 0) {
return 1;
}
// Tratamento do terminador nulo...
buf[count] = '\0';
// Tratamento dos caracteres restantes no buffer do terminal...
char c;
while((c = getchar()) != '\n' && c != EOF);
printf("%s\n", buf);
return 0;
}
#+end_src
Compilando e executando novamente:
#+begin_example
:~$ gcc -Wall teste.c
:~$ ./a.out
123456789012345
123456789
:~$
#+end_example
** Definindo um prompt
O nosso programa precisa de um prompt, então vamos implementá-lo:
#+begin_src c
#include <stdio.h>
#include <unistd.h>
#define BUFMAX 10
int main(void) {
char buf[BUFMAX];
ssize_t count = 0;
// Prompt...
printf("Digite algo: ");
if((count = read(STDIN_FILENO, buf, BUFMAX - 1)) <= 0) {
return 1;
}
// Tratamento do terminador nulo...
buf[count] = '\0';
// Tratamento dos caracteres restantes no buffer do terminal...
char c;
while((c = getchar()) != '\n' && c != EOF);
printf("%s\n", buf);
return 0;
}
#+end_src
Agora, nós temos a impressão da string ="Digite algo: "= antes da leitura
do terminal. Entretanto, ao compilar e executar o programa, nada é exibido
até nós teclarmos =Enter=:
#+begin_example
:~$ gcc -Wall teste.c
:~$ ./a.out
1234567890
Digite algo: 123456789
:~$
#+end_example
Isso acontece porque =printf= utiliza o buffer de saída do programa (criado
pela biblioteca padrão) e, por padrão, os dados na saída podem ser:
- Totalmente bufferizados: quando o programa escreve em arquivos ou pipes;
- Bufferizados por linha: quando a escrita é em um terminal.
Como estamos escrevendo no terminal, a saída de =printf= é bufferizada por
linha e só é liberada quando o buffer de saída fica cheio (~BUFSIZ = 8192 bytes~),
quando recebe o caractere de quebra de linha (='\n'=) ou quando é esvaziada
explicitamente (por exemplo, com =fflush(stdout)=).
No caso do exemplo, a saída não foi descarregada porque a string na chamada
de =printf= não tem uma quebra de linha (exatamente como nós queremos). Uma
solução simples, porém, é descarregar o buffer explicitamente:
#+begin_src c
#include <stdio.h>
#include <unistd.h>
#define BUFMAX 10
int main(void) {
char buf[BUFMAX];
ssize_t count = 0;
// Prompt...
printf("Digite algo: ");
// Descarga do buffer de saída...
fflush(stdout);
if((count = read(STDIN_FILENO, buf, BUFMAX - 1)) <= 0) {
return 1;
}
// Tratamento do terminador nulo...
buf[count] = '\0';
// Tratamento dos caracteres restantes no buffer do terminal...
char c;
while((c = getchar()) != '\n' && c != EOF);
printf("%s\n", buf);
return 0;
}
#+end_src
Compilando e testando:
#+begin_example
:~$ gcc -Wall teste.c
:~$ ./a.out
Digite algo: 1234567890
123456789
:~$
#+end_example
** Ainda temos um problema!
Acontece, porém, que os nossos testes estão mascarando outro problema.
Observe o que acontece quando digitamos menos caracteres do que a função
=read= espera ler:
#+begin_example
:~$ gcc -Wall teste.c
:~$ ./a.out
Digite algo: 12345
12345
:~$
#+end_example
A segunda linha em branco era esperada porque a quebra de linha da minha
digitação foi preservada, mas a primeira linha em branco aconteceu
porque eu tive que teclar =Enter= duas vezes!
Isso aconteceu por causa da forma como estamos descarregando o restante do
buffer de entrada do terminal:
#+begin_src c
// Tratamento dos caracteres restantes no buffer do terminal...
char c;
while((c = getchar()) != '\n' && c != EOF);
#+end_src
Quando digitamos menos caracteres do que o =read= espera ler, não há sobras
no buffer do terminal e não há quebras de linha nem uma indicação de fim de
arquivo (a menos que o usuário tecle =Ctrl+D=). Por isso, a limpeza do buffer
deve ser condicionada de uma das seguintes formas:
- Ou verificamos se o penúltimo caractere no buffer (=buf[count - 1]=) é
diferente de ='\n'=, o que indicaria que o buffer não foi consumido
completamente;
- Ou verificamos se o buffer está vazio ou não com a chamada de sistema
=ioctl=.
**** Solução com o conteúdo de =buf[count - 1]=
#+begin_src c
// Verificar se '\n' faz parte da string...
if (buf[count - 1] != '\n') {
// Tratamento dos caracteres restantes no buffer do terminal...
char c;
while((c = getchar()) != '\n' && c != EOF);
}
#+end_src
**** Solução com =ioctl=
A chamada de sistema =ioctl=, no cabeçalho =sys/ioctl.h=, manipula parâmetros
de dispositivos especiais (como terminais, por exemplo). Seus argumentos
são:
- O descritor de arquivos do dispositivo (ex.: =0= ou =STDIN_FILENO=);
- O número da operação com o dispositivo (ex.: =FIONREAD=, quantidade de bytes
disponíveis para leitura imediata);
- Um ponteiro para o endereço que vai receber a informação obtida.
Sendo assim, nós poderíamos utilizá-la desta forma para determinar se
o buffer do terminal contém alguma coisa (=0= indica buffer vazio):
#+begin_src c
#include <sys/ioctl.h>
...
int main(void) {
...
// Verificar se o buffer está vazio...
int r = 0;
if (ioctl(STDIN_FILENO, FIONREAD, &r) != 0) {
// Tratamento dos caracteres restantes no buffer do terminal...
char c;
while((c = getchar()) != '\n' && c != EOF);
}
...
}
#+end_src
#+begin_quote
Experimente as duas soluções e escolha a sua preferida.
#+end_quote